Willian Machado
A D V O C A C I A
Justiça Federal do Rio de Janeiro determina ao COMANDANTE DO 1º BATALHÃO DE POLÍCIA DO EXÉRCITO que desligue do efetivo, imediatamente, militar acometido de depressão que foi transferido para outra cidade para acompanhar esposa militar e filho menor. Na sentença juiz declarou que o ato impugnado tangencia a desumanidade e que o Exército está descumprindo o preceito constitucional de proteção especial a família (art. 226, caput, CFRB/88).
Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Rio de Janeiro 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro
Avenida Rio Branco, 243, Anexo II, 4º andar - Bairro: Centro - CEP: 20040-009 - Fone: (21)3218--8033 - www.jfrj.jus.br - Email: 03vf@jfrj.jus.br
MANDADO DE SEGURANÇA Nº XXXXXXXX-XX.XXXX.X.XX.XXXX/XX
IMPETRANTE: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
IMPETRADO: COMANDANTE DA POLÍCIA DO EXÉRCITO - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - RIO DE JANEIRO
SENTENÇA
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, objetivando o imediato desligamento do impetrante do
1º Batalhão de Polícia do Exército - BPE, situado no Rio de Janeiro - RJ, com a subsequente apresentação no 7º Pelotão de Polícia do Exército, em Natal - RN. Como causa de pedir, o autor afirma que sua esposa, militar da Aeronáutica, foi transferida de ofício para o Rio Grande do Norte e que o Exército já deferiu seu requerimento de movimentação para o mencionado 7° Pelotão, porém ainda não o desligou do 1º BPE em razão da licença para tratamento de saúde, o que configura ilegalidade.
Inicial e documentos no evento 1.
Postergada a apreciação do pedido de liminar (evento 3).
A União informou ter interesse (evento 12).
No evento 13, informações encaminhadas pelo Exército, acompanhada de documentos e defendendo a legalidade do ato.
O Ministério Público Federal - MPF considerou não haver interesse público que justifique sua intervenção no feito.
É o relatório. DECIDO.
Não havendo preliminares, passo diretamente à apreciação do mérito e, ao fazê-lo, constato assistir razão ao impetrante. Senão, vejamos.
Conforme se depreende das informações do evento 13, o autor já foi movimentado do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Rio de Janeiro - RJ) para o 7º Pelotão de Polícia do Exército (Natal - RN). No entanto, o desligamento da unidade de origem ainda não ocorreu em função da impossibilidade de haver passagem de função, já que o militar está afastado do serviço por incapacidade temporária, constatada em inspeção de saúde.
De fato, o art. 92 do Regulamento Administrativo do Exército - RAE, aprovado pela Portaria n° 1.555/2021 do Comando do Exército1 , estabelece que, em caso de movimentação, o desligamento somente será efetivado após a passagem de função. Todavia, na situação em análise, afigura-se absolutamente desarrazoado, tangenciando a desumanidade, exigir que o autor, sofrendo de quadro depressivo, permaneça no Rio de Janeiro, longe da esposa e do filho de 8 anos (evento 1, CERTNASC6), apenas para o cumprimento de um ato que, na maioria das vezes tem caráter meramente formal.
Nesse ponto, vale lembrar que o caput do art. 226 da Constituição da República determina que o Estado assegure proteção especial à família, base da sociedade. Consequentemente, ao negar o desligamento do impetrante do 1° BPE, desconsiderando por completo as circunstâncias do caso concreto e conferindo primazia a formalidade de somenos importância, o Exército Brasileiro está descumprindo o mencionado preceito constitucional.
Cabe lembrar, ainda, que o próprio RAE - mais precisamente, no art. 132 - estabelece procedimento substitutivo
da passagem de função em caso de afastamento súbito do agente. Tal procedimento, por óbvio, pode perfeitamente ser adotado pela Administração Militar, se assim considerar cabível, o que torna ainda mais sem sentido a exigência de que o autor, até que se recupere do quadro de depressão e retorne ao serviço, continue vinculado a unidade situada a milhares de quilômetros da residência de sua família.
O aresto abaixo referenda a tese esposada, no sentido de que a discricionariedade das movimentações de militares deve ceder nas situações em que estão em jogo a saúde e a proteção à unidade familiar:
REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. MOVIMENTAÇÃO POR NECESSIDADE DO SERVIÇO. ATO DISCRICIONÁRIO. ANULAÇÃO POR RAZÕES DE SAÚDE DO DEPENDENTE. POSSIBILIDADE. PROTEÇÃO DA FAMÍLIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Tratam-se de remessa necessária e apelação cível interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido, na forma do art. 487, inciso I, do CPC, para anular o ato de transferência do recorrido para fora da cidade do Rio de Janeiro, bem como o ato de desligamento realizado pelo Diretor do Hospital Central do Exército. 2. Consta dos autos que o apelado é militar da ativa do Exército Brasileiro, lotado no Hospital Central do Exército Brasileiro e que sua filha é portadora de necessidade especiais (distúrbios severos na aquisição da linguagem receptiva e expressiva, transtorno de déficit de atenção e hiperativid ade). 3. Apesar disso, destaca o recorrido ter sido transferido ex officio para o Hospital Militar de Área de Recife – PE e que, mesmo tendo solicitado reconsideração desse ato, o Chefe do Departamento Geral de Pessoal indeferiu o seu pedido. 4. O laudo médico constante dos autos destaca que a filha do recorrido “apresenta alteração na aquisição da linguagem, com distúrbio severo na aquisição da linguagem receptiva e expressiva. [...] apresenta alguns processos fonológicos, mas que ainda são esperados para a sua faixa etária e apresentou dois processos fonológicos que não são observados durante o desenvolvimento da linguagem, mas que não foram produtivo”. 5. Além disso, há a descrição de que a filha do recorrido se encontra em processo de intervenção psicopedagógica e que necessita da presença e acompanhamento de ambos os pais, “para que juntos a ela possam ser desenvolvidos, todos os aspectos necessários a um bom prognóstico, pois que aspectos emocionais também interferem nesse desenvolvimento”. 6. Sabe-se que o militar, em decorrência de seus deveres e obrigações inerentes à sua carreira, fica sujeito a servir em qualquer local do país, podendo a sua movimentação/transferência se dar em razão da necessidade do serviço e do interesse público, configurando-se, dessa maneira, ato discricionário da Administração. 7. Embora a transferência/movimentação do militar envolv a interesse público, tem-se que observar o princípio da proteção da família, constante do art. 226 da Constituição Federal, principalmente no caso em que a filha do recorrido necessita de sua presença para dar continuidade à tratamento de sa úde, nos termos do que foi relatado pelos laudos médicos constantes dos autos. 8. Conforme mencionado por precedente deste Tribunal, “ não obstante a movimentação do militar seja ato discricionário, cujo juízo de conveniência e oportunidade somente pode ser aferido pela Administração Pública, excepcionalmente, é imperioso levar em consideração a necessidade de prote ção aos idosos e às pessoas com deficiência, bem como a manutenção da unidade familia em conflito com os interesses da Administração, preservando o princípio da proteção à família, previsto no art. 226, da Constituição Federal de 1988”. Precedentes: TRF2, 5ª Turma Especializada, AG 0000551- 55.2018.4.02.0000, Rel. Des. Fed. ALCIDES MARTINS, DJe 28.11.2018; TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0132386-68.2013.4.02.5101, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJe 28.6.2017. 9. Dessa maneira, impõe-se a manutenção da sentença recorrida, em razão da comprovação da enfermidade que acomete a filha do apelado, bem como pela necessidade de acompanhamento de ambos os pais no tratamento da enfermidade que lhe acomete, havendo justificativa para impedir o afastamento do recorrido do convívio familiar. 10. Remessa necessária e apelação não providas.2
DISPOSITIVO
Ante o exposto, concedo a segurança, determinando o imediato desligamento do impetrante do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Rio de Janeiro - RJ), para que possa se apresentar no 7º Pelotão de Polícia (Natal -RN).
Sem honorários (artigo 25 da Lei nº 12.016/09). Custas na forma da lei.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09).
Resta prejudicado o pedido de liminar.
Intimem-se, inclusive a União. Dê-se ciência à autoridade impetrada, sendo desnecessária, porém, a intimação do MPF.